Três badaladas, Eduardo Kasse (e-book)

– Você comeu ovos podres, João? – A mulher tapou o nariz depois que o seu amante daquela tarde soltou uma bufa. – Até a minha boca está com gosto de merda agora.

Levantou-se, nua, e foi até a janela do quarto para sorver um pouco de ar puro (que na verdade sempre cheirava a mijo, por causa das pessoas que não se importavam de se aliviar nas paredes daquela bela construção, e a fumaça, devido às folhas e sujeiras que eram amontoadas e queimadas na praça). Cuspiu e, por pouco, não acertou uma gorducha que varria as folhas lá embaixo.

– Vaca de Satã! – A mulher, de rosto vermelho pela labuta sob o sol, ergueu a vassoura. – Vou te arrebentar quando você descer!

Ela retribuiu com um beijo e recebeu gracejos dos homens lá embaixo, entusiasmados com a visão dos seios fartos.

– Perdoe-me, minha querida! – O amante juntou as mãos em prece. – Juro que não fiz de propósito, mas, com as cavalgadas vigorosas que você me dava, não pude me controlar. Volte para a cama e eu lhe prometo pagar em dobro por causa deste pecado.

– Em dobro! Nem uma moeda a menos! – A jovem de nariz torto e cabelos castanhos cacheados se virou e caminhou até a cama, repleta de almofadas suadas e coberta por um lençol de seda, vermelho e amarrotado.

– Nem uma moeda a menos! Pode confiar na minha palavra, afinal eu sou o papa! – João fez o sinal da cruz com a mão e gargalhou.

Voltaram a trepar sob um grande crucifixo de prata, onde jazia um Cristo de olhos fechados, envergonhado com tamanhas safadezas cometidas naquele aposento.

Lá fora, o sino de bronze da Basílica de São João de Latrão badalou três vezes, indicando a hora noa, quando Nosso Senhor morreu na cruz.

Ele era o representante de Deus na terra. Era o líder de todo o rebanho cristão. Mas, apesar do título, ele estava longe do sagrado, da divindade. Ele era o mal encarnado.